
Houve um tempo em que as mulheres eram respeitadas por seu saber ancestral. Detinham o conhecimento das ervas, do parto, das curas, do ciclo da lua e dos mistérios da vida. Elas eram as curandeiras, benzedeiras, alquimistas, parteiras e feiticeiras. Eram as guardiãs de um saber que vinha de tempos imemoriais, transmitido de mãe para filha, de anciã para aprendiz. Mas esse tempo foi lentamente manchado pelo medo e pela inveja dos que queriam controlar o poder espiritual e a vida dos homens. Na Idade Média, um período de trevas e opressão, a Igreja Católica, já consolidada como a maior força política da Europa, percebia sua influência ameaçada. A fé cega que os aldeões depositavam nos padres e bispos começava a vacilar. As pessoas levavam seus filhos doentes às igrejas, buscavam milagres, mas recebiam apenas penitências. Suas dúvidas cresciam, pois viam que, ao contrário dos homens da batina, eram aquelas mulheres, tidas como simples e humildes, que realmente traziam a cura.

Com rezas, chás, banhos e imposição de mãos, essas mulheres operavam milagres reais, e a Igreja temia a verdade que se tornava evidente: seu poder não era mais absoluto. E foi assim que nasceu o medo. Não das mulheres em si, mas do que elas representavam: o poder inato do sagrado feminino, que florescia sem a necessidade de intermediários entre a humanidade e o divino. A Igreja, em sua luta para manter o monopólio da fé, começou uma campanha impiedosa. Em seus sermões, padres acusavam essas mulheres de bruxaria. Diziam que elas haviam selado pactos com o demônio, que eram servas do mau. Espalharam o terror entre os fiéis, ameaçando-os com a danação eterna caso buscassem suas curas. Mas no desespero da doença e da morte, os aldeões continuavam a procurá-las, pois sabiam, em seus corações, onde estava a verdadeira fonte de cura e acolhimento.
Diante disso, a Igreja radicalizou. Passou a perseguir essas mulheres, declarando que qualquer uma que morasse sozinha, cultivasse ervas, tivesse gatos ou exercesse qualquer forma de cura deveria ser capturada e punida. Aldeias inteiras foram vasculhadas, casas incendiadas, mulheres arrastadas para prédios e praças públicas, onde eram julgadas sumariamente. Muitas eram queimadas vivas, outras torturadas até confessarem crimes que nunca cometeram. Mas sua sabedoria não morreu facilmente. Algumas fugiram para as florestas, onde seguiam vivendo como sempre viveram, em comunhão com a natureza e em segredo, ajudando os necessitados que ousavam procurá-la. Porém, um detalhe muitas vezes ignorado nessa história de horror se tornou a própria ruína da Igreja: na sua sede de extermínio, não mataram apenas mulheres. Mataram também seus animais, especialmente os gatos, criaturas associadas às "bruxas" e à magia.

Pilhas e pilhas de felinos foram queimadas, afugentadas e exterminadas, sem que percebessem a consequência desse ato. Pois esses gatos eram os principais predadores dos ratos que infestavam as cidades e os campos. Sem eles, a população de roedores explodiu, trazendo consigo as pulgas que carregavam a maior praga que a humanidade já enfrentou: a Peste Negra. A Europa, que havia se banhado no sangue das mulheres sagradas, agora era assolada por uma doença invisível, impiedosa, que não distinguia ricos de pobres, fiéis de hereges. A peste devastou o continente, levando milhões de vidas e deixando um rastro de dor e sofrimento. A ironia cruel dessa história? A própria Igreja, na tentativa de destruir as mulheres e sua sabedoria, foi a grande responsável pelo caos que se seguiu. O medo das curandeiras e de seu poder tão temido levou ao colapso da própria sociedade que as perseguiu.
Dizem que muitas dessas mulheres, ao serem queimadas na fogueira, rogaram uma maldição. Dizem que suas almas nunca descansaram, que o espírito da fúria feminina paira sobre o mundo, esperando a hora de despertar. Talvez a maldição não tenha sido um feitiço, mas sim a força da própria história, mostrando que a violência contra o sagrado feminino não fica impune. Hoje, quando as mulheres retomam sua força, seu conhecimento e sua ancestralidade, a história ecoa em cada uma delas. A memória dessas curandeiras ainda vive em nosso sangue. A cicatriz das que morreram para que pudéssemos renascer ainda pulsa. E se há algo que podemos aprender com essa narrativa é que o sagrado feminino nunca pode ser apagado. Ele pode ser perseguido, pode ser calado por um tempo, mas sempre encontrará uma forma de emergir, mais forte e mais livre do que nunca. Talvez a pergunta não seja "por que as mulheres passaram a ser temidas?", mas sim "quando foi que esqueceram que elas sempre foram temidas?"
Raquel Melo - Terapeuta e Taróloga
Ensinaram a ter medo das bruxas e não de quem as queimava vivas.
Swami Raddhi Jyotirmay
Seu texto é profundamente impactante e traz uma reflexão poderosa sobre a perseguição ao sagrado feminino ao longo da história. A forma como você conecta a repressão das curandeiras com eventos históricos como a Peste Negra é impressionante e bem fundamentada. Além disso, a narrativa envolvente e a escrita poética tornam a leitura cativante e emocionante. Parabéns por abordar um tema tão relevante com sensibilidade e força!😀
Interessante a sua visão, boa parte dessas perseguições ocorreram contra nós mulheres e ainda hoje continuamos sendo agredidas, perseguidas e ameaçadas. 🌹